quinta-feira, 5 de agosto de 2021

A VISÃO PSICANALÍTICA DO PICHON-RIVIÈRE NO CONTEXTO DOS GRUPOS OPERATIVOS DE APRENDIZAGEM

 “Um corpo saudável não é apenas ter ausência das doenças, mas a harmonia que ocorre entre o corpo, a mente, a alma, o Espírito, bem como no seu meio social”.

A psicanálise como uma ciência psico-social, tem apresentado um diferencial na soma desse conhecimento, com as experiências multiculturais e interdisciplinares no contexto dos Grupos Operativos de Aprendizagem. Entretanto, essa teoria não se limita apenas nas dimensões patológicas, mas também na prevenção das doenças psíquica como: ansiedade, solidão, pensamento suicida, depressão, medo, carências, frustrações más elaboradas, vícios (álcool, drogas, tabaco, pornografia, medicamentos...), e assim por diante. Porém, os Pequenos Grupos/Células das instituições religiosas, os grupos de áreas afins para discursões dos assuntos dos interesses pessoais ou profissionais, acabam desempenhando um papel importante nessa direção, pois, eles funcionam como um conhecimento empírico, que podem contribuir nos processos dos ajustes psico-social dos seus integrantes.

Sendo assim, é quase impossível pensar nas ideias de inclusão e de cidadania sem a compreensão dos mecanismos inconscientes dos diferentes grupos que formam as sociedades. Vale lembrar que cada sujeito pertence simultaneamente a diferentes grupos formais e informais, portanto, são confrontados com uma pluralidade de identidades ao longo das suas vidas. Pluralidade que pode trazer crescimento, mas também conflitos.

Os processos de formação e funcionamento de um grupo em tarefa, e as grandes dificuldades encontradas na organização, inquietaram o psiquiatra e psicanalista argentino Pichon-Rivière (1907-1977), considerado por muitos o maior analista latino-americano. Ele orientou seus estudos, seminários, cursos e conferências para diversas formas de práticas de grupos, desde a criação em 1947 do que ele chamava grupo “em tarefa”, ou “grupo operativo”, que procurava responder às duas angústias fundamentais da vida social: o medo da perda, isto é, perder o que já se tem; o temor do ataque, ou seja, o temor frente ao desconhecido. Com seu magistério, Pichon-Rivière exerceu enorme fascínio sobre seus discípulos e contemporâneos, principalmente no que diz respeito aos jovens estudantes da Escola de Psicologia Social, fundada por ele em 1959 na cidade de Buenos Aires.

Já em 1955, Pichon-Rivière e o psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981) se conheceram e se aproximaram. Ambos tinham grande apreço pelo surrealismo. Lacan recebeu em sua casa Pichon em companhia do poeta surrealista Tristan Tzara (1896-1963). Depois, o psicanalista francês apresentou o argentino ao poeta e teórico do surrealismo André Breton (1896-1966). Pichon foi responsável pela introdução do lacanismo em seu país. Por sua vez, Pichon interessou-se pelos dois grandes escritores da modernidade literária que exprimiram, por meio de sua escrita poética, a ideia de mudar o homem a partir da fórmula “eu é um outro”: Arthur Rimbaud (1854-1891) e Lautréamont (1846-1870). Interessando-se tanto pela medicina, como pela poesia e pela política, os trabalhos de Pichon contribuíram para estabelecer uma ligação entre as duas vias de implantação da psicanálise na Argentina: a via literária (cultura, educação) e a via terapêutica (psicologia, psiquiatria).

Além disso, o manejo dos grupos restritos (até 25 pessoas) é parte do trabalho de vários profissionais nos dias de hoje no contexto do ensino e aprendizagem. Porém, para o manejo em Grupos Operativos Terapêuticos deve ser de 10 a 15 pessoas. Para proporcionar um ambiente de crescimento, amadurecimento, autopercepção e bem estar dos integrantes. Esse tipo de trabalho nos remete a concepções mais ou menos conscientes sobre o estar humano em conjuntos e sobre os modos e objetivos de intervenções nesses conjuntos. Eles têm como proposta apresentar os conceitos centrais que instrumentalizem uma ação e uma reflexão sobre os grupos. As ideias centrais vêm da teoria do médico psiquiatra Pichon-Rivière.

Nessa corrente gostaríamos de destacar o campo das teorias psicanalíticas de grupo (KAËS, 1993, 1999, 2007) cuja apresentação constitui um importante subproduto do texto ao estabelecer diálogos entre diferentes pesquisadores de influência psicanalítica. As referências a Kurt Lewin, à Gestalt e à dialética são também importantes na medida em que contribuem para o estabelecimento de outros diálogos.

Lei fundamental da dialética: A dialética postula que a realidade é contraditória em si e que os contrários se interpenetram, sendo impossível dividir uma unidade de análise de modo a eliminar a contradição. Disso decorre a negação da visão platônica de que a verdade seria a superação das contradições do mundo sensível, bem como uma opção ao formalismo aristotélico.

Lei da negação da negação: Aceitar o caráter universal da contradição não significa abrir mão de elaborar suas manifestações particulares. De fato, pela dialética, quando um par antitético aparece, essa contradição pede uma resolução, resolução esta que não será um meio-termo do par antitético, mas algo que o substitua em um “nível mais elevado”. O verbo que Hegel utiliza em alemão é aufheben, que possui o significado de negação, de conservação e de elevação a um nível mais alto (ARANHA, 1993, p. 89; e também segundo o dicionário LANGENSCHIEDTS, 1999). Assim, temos uma tese (A), uma antítese (não A) e algo que supera essa contradição, ao qual poderíamos chamar síntese, ou superação, ou ainda ultrapassagem, e representar pela letra B, para fins didáticos.

Lei da transformação da quantidade em qualidade: Um outro modo de descrever a superação é dizer que ela representa uma mudança de qualidade, e não só de quantidade, no processo. Instala-se assim uma ruptura, o par antitético que organizava a vida psíquica do grupo pode ser deixado para trás de modo que o grupo venha a ser organizado por um novo par. Esses são os momentos representados pela curva ascendente no modelo da espiral de Pichon-Rivière. Um exemplo bastante utilizado para a explicação desta lei é o da fervura da água. A água é esquentada progressivamente, o que podemos pensar como aumentos de quantidade, até atingir os 100 ºC, quando entra em ebulição, passando do estado líquido para o gasoso, o que representa uma mudança de qualidade.

 Noção de Saúde

A dialética é movimento, a enfermidade é a negação desse movimento. O movimento dialético, tal como vimos descrevendo nos grupos, pode ser interrompido, dando origem ao que Pichon-Rivière chama de estereotipia. A saúde psíquica, como Bleger afirma em Psicohigiene y Psicología Institucional (1999a), não deve referir-se somente à ausência de patologias, mas é também tributária do movimento da espiral dialética. Fazer com que os papéis circulem dentro do grupo, superar as estereotipias, gerar novas possibilidades de compreensão: essas são as formas que assume a promoção da saúde dentro do grupo operativo. Mas o que leva à paralisação da espiral? Para Pichon-Rivière é a fantasia inconsciente que impede o desenrolar do processo. Fantasia inconsciente que remeteria, em última análise, a angústias depressivas e paranoides relativas à mudança. As depressivas existiriam porque todo salto qualitativo da dialética implica a perda de uma situação anterior (e de um tipo de vínculo com o mundo construído nela); as paranoides, porque entramos em uma situação psiquicamente nova, para a qual não nos sentimos preparados.

Assim, a visão de saúde de Pichon-Rivière pressupõe uma ação humana em que figurem integradamente o sentir, o pensar e o agir. Só quando há essa integração é que se pode falar de tarefa. Sublinha-se ainda que, na visão pichoniana, como Bleger já havia aludido antes, o natural seria a integração dessas esferas, sendo a dissociação um mecanismo de defesa acionado para a proteção contra as angústias que circulam entre elas. É nesse registro, da “alienação” ou fragmentação do membro do grupo, que se coloca o problema pichoniano da “impostura”. Como define o próprio autor:

Se o grupo trabalha de modo a permitir o aparecimento e a superação das contradições tanto em seus aspectos racionais quanto emotivos o coordenador não tem necessidade nenhuma de intervir. Entretanto, se o grupo fica preso em um certo nível da espiral, se não é possível a superação dialética, ou seja, se há uma paralisia do movimento no grupo, espera-se que uma intervenção do coordenador possa ajudar a restabelecer o ciclo dialético. Lembramos que Pichon-Rivière acredita que as fantasias inconscientes seriam os obstáculos a esse movimento; nessa perspectiva, a explicitação dos conteúdos latentes seria uma forma privilegiada de atuação do coordenador. No entanto, o que caracteriza a intervenção adequada é seu caráter operativo, ou seja, a possibilidade de restituir o movimento dialético ao grupo, independentemente do modo ou conteúdo da intervenção.

Pichon-Rivière começou a trabalhar com grupos na medida em que observou a influência do grupo familiar em seus pacientes. Sua prática psiquiátrica esteve subsidiada principalmente pela psicanálise, pela filosofia e pela psicologia social. Para o autor, o objeto de formação do psicanalista devia instrumentalizar o sujeito para uma prática de transformação de si, dos outros e do contexto em que estavam inseridos. Aprender em grupo significava conviver com uma leitura criativa e crítica da realidade, uma atitude investigadora, uma abertura para as dúvidas e para as novas inquietações.

“Sirvam aos seus senhores de boa vontade, como servindo ao Senhor, e não aos homens, porque vocês sabem que o Senhor recompensará cada um pelo bem que praticar, seja escravo, seja livre”. Efésios 6: 7-8

Fonte: www.revistaeducacao.com.br/2017/11/01. Acesso: 05.08.2021.

Pablo Castanho. UMA INTRODUÇÃO AOS GRUPOS OPERATIVOS: TEORIA E TÉCNICA. Revista do NESME, v.9, n. 1, pp 1-60, 2012.

 

Paula Silva

Instituto Telifá – Automelhoramento

Psicanálise/Biomédica/Dependência Química/Espiritualidade

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